Primeiro veio a tentativa de anistiar o caixa dois. Não funcionou. Depois, bem na noite em que o país chorava a queda do avião da Chapecoense, desfiguraram o projeto das Dez Medidas contra a corrupção. Foi vetado. Agora, ressuscitaram a sempiterna reforma política – panaceia invocada em Brasília para encerrar qualquer discussão.
O novo "plano infalível" de Cebolinha de Rodrigo Maia, Eunício Oliveira e companhia para se livrar das investigações da Operação Lava Jato é uma ideia que já foi derrotada duas vezes quando levada ao Plenário da Câmara: o voto em lista fechada. De acordo com ela, o eleitor votaria não no candidato, mas no partido. Apurada a proporção de votos de cada legenda, os deputados eleitos seriam determinados pela ordem em que aparecessem numa lista estabelecida pelas lideranças partidárias antes da votação.
Tal sistema é adotado em várias democracias parlamentares (como Israel, Islândia ou Itália), mas não em outras, onde a lista partidária é aberta, e a quantidade de votos do candidato determina sua posição entre os eleitos (é o caso da Holanda, onde ontem o partido do premiê Mark Rutte venceu as eleições, ao garantir 32 cadeiras no Parlamento de 150).
A justificativa padrão para o voto em lista fechada é que ele cria um elo mais forte entre eleitores e partidos. No Brasil, é usado como argumento para reduzir a absurda fragmentação em 35 legendas, 28 delas representadas no Congresso. Mas seria bem mais razoável fazer isso extinguindo as coligações nas eleições para deputado. São elas que misturam programas antagônicos e criam situações bizarras, como o voto num deputado comunista que elege um liberal – ou vice-versa.
Em 2003, quando foi aventada pela primeira vez, a lista fechada surgiu como forma de tornar viável o financiamento público das campanhas eleitorais. “No entender dos deputados, seria impossível combinar lista aberta e financiamento público, pois não haveria como fiscalizar as centenas de candidatos que concorrem a deputado em cada estado”, escreve o cientista político Jairo Nicolau no recém-lançado Representantes de quem?, um excelente resumo das deficiências do sistema político brasileiro (escrevi sobre o livro aqui).
Depois do escândalo dos sanguessugas, em abril 2007, a proposta de lista fechada foi votada no Plenário da Câmara e derrotada por 251 votos a 182. No final de maio de 2015, no afã de promover a reforma política, o então presidente da Casa, Eduardo Cunha, levou diversas propostas a votação. Na noite confusa do dia 26, três foram derrubadas, entre elas mais uma vez a lista fechada. O resultado foi um massacre: 402 votos contra e 21 a favor.
É essencial que o Brasil promova uma reforma política para eliminar as distorções absurdas no nossos sistema de representação. O livro de Nicolau sugere mudanças simples, como o já citado fim das coligações nas eleições para deputado, a exigência de um mínimo nacional de 1,5% dos votos para um partido ter direito a assento na Câmara, tempo de TV e recursos do Fundo Partidário, além da resdistribuição periódica das cadeiras, respeitando mudanças demográficas.
Improvável que alguma dessas ideias simples e eficazes tenha sido debatida na discussão de ontem sobre reforma política entre o presidente Michel Temer, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, do Senado, Eunício Oliveira, e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes (foto).
Ao levantar o tema, o objetivo de Maia e Eunício era outro. Se os partidos determinarem os candidatos nas listas, retiram do eleitor a prerrogativa de escolher quem permanecerá no Congresso. Estaria aberta, portanto, a porta para manter o foro privilegiado de investigados e acusados da Lava Jato na eleição de 2018. Eles continuariam submetidos à proverbial "lentidão" dos tribunais superiores.
Ninguém tem dúvida de que a reforma política seja urgente. Para promovê-la, porém, o Congresso precisa ter mais credibilidade – e menos conflitos de interesse.